Cantinho da Pedagogia

Reinventando A Escola: Repensando Modelos E Práticas Educacionais Diante Das Transformações Sociais E Tecnológicas Contemporâneas

A fim de compreender os processos que moldaram a atual configuração da instituição escolar, é essencial assimilar sua dimensão histórica e os eventos que contribuíram para sua formação. Além disso, é crucial reconhecer a estreita relação entre a educação e as transformações sociais, especialmente dentro do ambiente escolar.

A educação é considerada “um componente do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, juntamente com outras invenções de sua cultura em sua sociedade” (Brandão, 1995, p. 6). Nesse sentido, a educação está intrinsicamente ligada à civilização e aos arranjos sociais de determinado período histórico e econômico.

Consequentemente, a maneira como a sociedade se estrutura determinará como a educação é estabelecida, e, por sua vez, a educação também influenciará a sociedade, uma vez que participa da construção do indivíduo e gera processos de subjetivação por meio das relações estabelecidas nos contextos educacionais, os quais estão conectados à cultura (Brandão, 1995). Assim, sociedade e educação não podem ser separadas, pois se atravessam mutuamente.

A escola surge como resposta à complexificação da sociedade, quando a comunidade enfrenta problemas ou urgências que requerem uma solução educacional (Brandão, 1995). Nesse contexto, a escola moderna surge como resultado de uma transformação econômica que afeta a cultura, os valores e a organização estatal. Essa mudança refere-se à ascensão do capitalismo como sistema dominante no mundo (Stremel & Mainardes, 2011).

No contexto brasileiro, o cenário educacional com um modelo escolar emerge no período imperial para atender às necessidades da família real, que havia se instalado no Brasil, tornando a escola acessível apenas aos privilegiados economicamente. No entanto, essa perspectiva começa a mudar à medida que o contexto socioeconômico se transforma e o Brasil passa a adotar uma economia voltada para a industrialização (Lima, Castro & Araújo, 2006). Afinal, quem executaria as tarefas repetitivas nas fábricas? Era necessário adquirir conhecimentos mínimos para atender a essas demandas.

Nessa perspectiva, diante da necessidade de formar indivíduos preparados para o trabalho no contexto capitalista, a escola se torna pública e um direito de “todos” a partir de 1934, conforme garantido pelo Estado (Stremel & Mainardes, 2011). É importante ressaltar o papel do movimento da “escola Nova” nesse momento histórico.Os defensores da escola nova idealizavam um modelo educacional laico, gratuito, obrigatório e acessível a todas as pessoas de forma igualitária. Esses indivíduos faziam parte da elite intelectual da época e buscavam influenciar a organização social por meio de uma educação fundamentada na ciência e no desenvolvimento social (Kulesza, 2002).

No entanto, é fundamental destacar que o escolanovismo era fundamentado em uma lógica liberal e voltado para a produção de mão de obra para a indústria (de Carvalho, 2005). Além disso, quando se falava em “educação para todos”, não se questionava a inclusão dos povos indígenas, quilombolas e outros grupos excluídos.

Posteriormente, o Brasil atravessou dois períodos de ditadura. Primeiro, durante a era Vargas, quando o Estado deixou de assumir a responsabilidade de promover a educação e transferiu essa tarefa para as famílias, restringindo sua intervenção ao ensino técnico (de Brito, 2006).

Em seguida, durante a ditadura militar, foi estabelecido um padrão de educação tecnicista, no qual o currículo era rigidamente determinado e havia uma intensa censura (Ferreira & Bittar, 2008). Durante esses períodos, não se podia esperar avanços significativos, pois as ditaduras são caracterizadas por opressão, censura e controle, características incompatíveis com uma educação transformadora.

Com a promulgação da Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, houve uma retomada dos direitos civis e sociais, descentralização do poder estatal e maior participação da sociedade nas decisões políticas. Nesse momento, surgiram políticas educacionais no Brasil, com o objetivo de aprimorar a escola, estabelecer planos pedagógicos, diretrizes e promover reflexões sobre os valores a serem cultivados no ambiente escolar (Catani, Oliveira & Dourado, 2001). É importante ressaltar que, nesse momento, ressurgiram ideais da escola nova.

A modernidade é marcada pelo capitalismo, e o capitalismo é caracterizado pela ciência. A ciência se tornou a principal orientação social e educacional por um longo período e impulsionou o desenvolvimento tecnológico, gerando grandes transformações na contemporaneidade e levando a sociedade a uma transição da modernidade para a pós-modernidade, com a mídia emergindo como uma nova influência social predominante (Viana, 2019). Como mencionado anteriormente com base em Brandão (1995), quando o contexto muda, a educação também muda, mas o que acontece quando a escola não muda?

A relação com a tecnologia produz novos sujeitos, cria subjetividades e estabelece novas configurações nas relações sociais, substituindo a primazia da ciência pela era da informação midiática. Tudo o que os indivíduos fazem é vigiado, torna-se público, e o que possui valor precisa estar nas redes sociais para ser legitimado. Essa nova forma de interação gera uma crise na escola contemporânea (Sibilia, 2012).

O problema é que a escola não mudou, continua sendo uma instituição moderna em uma sociedade pós-moderna. Isso gera uma crise, pois esse modelo tornou-se obsoleto ao não conseguir atender às necessidades da sociedade pósmoderna. Além disso, o papel do professor, antes hierarquicamente superior na sala de aula, foi reduzido ao de um mero funcionário, e suas palavras perderam valor
(Sibilia, 2012).

Portanto, há uma perda de significado tanto para os alunos, que não encontram mais referências na escola e têm seus valores moldados pela mídia, quanto para os profissionais, que muitas vezes estão presos a uma lógica que deixou de funcionar (Sibilia, 2012).

De acordo com Marx (1859), o material precede o intelectual, portanto, quando o material muda, a sociedade muda e, consequentemente, a educação também muda. O que estamos presenciando hoje é o encontro de duas gerações em conflito, que dará origem a uma nova realidade.

No entanto, a escola moderna parece cada vez mais obsoleta e sem propósito diante das transformações tecnológicas contemporâneas. Isso ocorre principalmente devido à persistência de modelos e metodologias que consideram os alunos como um grupo homogêneo, acreditando que todos serão igualmente afetados no processo de ensino-aprendizagem. É o antigo modelo educacional baseado puramente na lógica mercadológica, capitalista e racional, que tenta enquadrar os indivíduos. É a escola como símbolo da estagnação, que priva os jovens do direito de escolher o que aprender (Masschelein & Simons, 2014).

Nesse sentido, a questão do fracasso escolar sempre surge, pois busca-se compreender as contingências que o geram. No entanto, enquanto o modelo escolar moderno não adotar uma postura crítica em relação a si mesmo e parar de buscar apenas nos alunos as explicações para o fracasso escolar, não será possível falar em uma educação verdadeiramente democrática (Masschelein & Simons, 2014).

Ao observarmos a origem da escola na Grécia Clássica, percebemos que a Scholé é politicamente marcada por ideais democráticos, conforme apontado por Jan Masschelein e Maarten Simons (2014) em seu livro “Em defesa da Escola”. O surgimento da escola na Grécia rompeu com um modelo rígido de educação e sociedade, que determinava o papel de cada indivíduo com base em sua posição social.
Com a instituição da escola grega, sujeitos de diferentes castas passaram a frequentar um mesmo lugar para aprender.

Dessa forma, por meio desse rompimento democrático introduzido pela escola, vemos filhos de governantes, artesãos, guerreiros e outros reunidos em um único local, aprendendo conteúdos em comum. Além disso, surgiu algo inédito na sociedade grega, o chamado tempo livre, um momento de ócio em que os alunos exploravam suas possibilidades e potencialidades. Assim, foi estabelecido um espaço democrático de aprendizagem, levando em consideração que apenas os detentores do poder tinham direito ao ócio (Masschelein & Simons, 2014).

No entanto, essa democratização do tempo livre por parte da escola provocou descontentamento em setores conservadores. A presença dos jovens na escola suspendia as demandas e expectativas tanto da sociedade (polis) quanto da família (oikos), o que significava que eles tinham em mãos diversas possibilidades de construir novos papéis sociais e, assim, passavam a questionar a própria realidade social (Masschelein & Simons, 2014).

Com as exigências da era industrial e tecnicista, em algum momento da história, a escola começou a valorizar excessivamente o tempo produtivo em detrimento do tempo livre, transformando-se em uma instituição voltada para a formação de indivíduos robotizados para o mercado de trabalho. No entanto, nem todos se encaixam nessa lógica mecanicista e passam a não ver sentido no que é
produzido dentro da instituição escolar. É justamente a falta de apropriação do tempo livre pela escola que, segundo Masschelein e Simons (2014), faz com que ela perca significado na vida dos jovens estudantes.

Portanto, existem modelos alternativos à escola tecnicista que devem ser considerados. Embora haja muitos exemplos, citaremos o modelo de ensino alternativo vivenciado no sertão do Cariri, na cidade de Nova Olinda-CE, por meio da ONG Fundação Casa Grande. Nessa experiência, podemos observar a aplicação do tempo livre, no qual as crianças escolhem os cursos que desejam fazer, os mais velhos ensinam os mais novos e as crianças administram o Museu do Homem Cariri, produzem cinema, teatro, música, programas de rádio e TV, entre outras atividades (Ghanem, 2012).

Por meio dessa experiência alternativa, podemos destacar que a escola tradicional não é o único lugar possível para a produção de conhecimento e que modelos educacionais que valorizam o tempo livre são muito mais atrativos, pois carregam um significado especial para os alunos.

REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. Brasiliense, 2017.
CATANI, Afrânio Mendes; OLIVEIRA, João Ferreira de; DOURADO, Luiz
Fernandes. Política educacional, mudanças no mundo do trabalho e reforma curricular
dos cursos de graduação no Brasil. Educação & Sociedade, v. 22, n. 75, p. 67-83,
2001.
DE BRITO, Silvia Helena Andrade. A educação no projeto nacionalista do primeiro
governo Vargas (1930-1945). 2006.
DE CARVALHO, Martha Maria Chagas. Pedagogia da escola nova e usos do
impresso: itinerário de uma investigação. Educação, v. 30, n. 2, p. 87-104, 2005.
FERREIRA JR, Amarilio; BITTAR, Marisa. Educação e ideologia tecnocrática na
ditadura militar. Cadernos Cedes, v. 28, n. 76, p. 333-355, 2008.
GHANEM, Elie. Inovação educacional em pequeno município: o caso Fundação Casa
Grande (Nova Olinda, CE, Brasil). Educação em Revista, v. 28, n. 3, p. 103-124, 2012.
KULESZA, Wojciech Andrzej. Genealogia da escola nova no Brasil. Educação em
Foco, v. 7, n. 2, p. 83-92, 2002.
LIMA, Maria da Conceição; CASTRO, Giselle Faur de; ARAÚJO, Roberto Moreira
Xavier de. Ensinar, formar, educar e instruir: a linguagem da crise escolar. Ciência &
Educação (Bauru), v. 12, n. 2, p. 235-245, 2006.
MARX, Karl. Introdução à contribuição para a crítica da economia política. 1859.
Contribuição à crítica da economia política, p. 235-270, 1859.
Kevin Cristian Paulino Freires
Graduando do Curso de Licenciatura em Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciễncia e Tecnologia do Ceará e
graduando do Curso de Pedagogia e Gestão Ambiental pela Universidade Única de Ipatinga. Bolsista na Universidade Federal do
Ceará e Professor do programa Pró-técnico em Fortaleza, email: [email protected].
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública.
Autêntica, 2017.
SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. Rio de Janeiro:
Contraponto, p. 51, 2012.
STREMEL, Silvana; MAINARDES, Jefferson. A organização da escolaridade em
ciclos: aspectos de sua emergência, desenvolvimento e discussões atuais. Acta
Scientiarum. Education, v. 33, n. 2, p. 227-238, 2011.
VIANA, Nildo. Modernidade e pós-modernidade. Revista Enfrentamento, n. 6, 2019.

Kevin Cristian Paulino Freires
Graduando do Curso de Licenciatura em Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciễncia e Tecnologia do Ceará e
graduando do Curso de Pedagogia e Gestão Ambiental pela Universidade Única de Ipatinga. Bolsista na Universidade Federal do
Ceará e Professor do programa Pró-técnico em Fortaleza, email: [email protected].

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